sexta-feira, 1 de maio de 2009

A outra face

Repare.

No lado esquerdo da foto, encoberto por Jackie Stewart, está Derek Warwick.

Sim, Derek Warwick. Aquele mesmo do veto.

O britânico representava um grande problema para Ayrton Senna. Não propriamente por sua capacidade técnica, mas, sim, por sua facilidade em fazer amigos.

Numa recente entrevista, Warwick admitiu que esse era o verdadeiro motivo do veto. Afinal, vinha de resultados inexpressivos na Renault.

Para os jornalistas ingleses, Senna revelou uma perspectiva diferente. "A equipe não tem estrutura para manter dois carros competitivos. Tive essa experiência com o Elio (De Angelis) em que, por várias ocasiões, faltou equipamento para os dois. Numa Williams ou numa McLaren pode haver dois pilotos número um, mas na Lotus isso não é possível".

Coube ao chefão da Lotus, Peter Warr, transmitir a notícia para Warwick, como relata Ernesto Rodrigues na biografia “Ayrton, o herói revelado”.

“O dia 22 de dezembro foi um dos piores momentos da vida profissional de Peter Warr. Chamado à sede da Lotus, Warwick entrou no Castelo de Ketteringham pensando que ia assinar o contrato para dividir as Lotus-Renault com Senna. Encontrou um clima de constrangimento e uma explicação curta e grossa:

- Derek, sinto muito, não haverá contrato. Senna não quer você na equipe. Falou com o patrocinador no Brasil e nós não temos outra saída”.

Resignado, Warwick assinou com a Jaguar para disputar o Mundial de Marcas. Àquela altura, não restavam vagas no grid da F1. Retornou, é verdade, poucos meses depois, substituindo Elio de Angelis (falecido em um treino particular), na Brabham.

“Ainda naquele Natal”, continua o jornalista, “Derek Warwick foi surpreendido com um cartão inesperado. O remetente lhe desejava um feliz 1986 e “tudo de bom” na temporada. Era Ayrton. Derek rasgou o cartão com raiva, certo de que ele fora uma indesculpável gafe dos responsáveis pelo trabalho de relações públicas de Senna”.

A partir disso, Derek Warwick passou por uma verdadeira “via-crucis” em sua carreira, se arrastando pelos circuitos com equipamentos medíocres.

A seguir, Rodrigues descreve, com exatidão, o momento em que Senna tenta se reaproximar de seu desafeto: “Nos anos seguintes, Derek receberia de Senna, na pista, uma generosidade que não existia para outros pilotos. Em algumas ocasiões, Ayrton tentou até ajudá-lo a tirar o máximo de seus carros, sempre pouco competitivos".

"Em Monza, num treino de classificação, Senna terminava uma de suas voltas voadoras e, na entrada da curva Parabolica, que antecede à longa reta de chegada, ao ultrapassar Warwick, naquele momento iniciando a sua volta rápida, resolveu continuar acelerando forte a McLaren para puxá-lo com o vácuo".

"Uma camaradagem a 300 quilômetros por hora, sem palavras, acenos ou conversas posteriores no boxe. Alguns décimos de segundo para diminuir um pouco a distância entre o campeão e o piloto bom caráter que tivera o azar de cruzar o seu caminho”.

Por essas e outras, Ayrton Senna ainda é considerado uma figura misteriosa. Poderia ter ignorado a presença de Warwick, um frequentador assíduo do fundo grid. Mas, não queria, de forma alguma, admitir sua própria arrogância.

Afinal, eram apenas adversários. Pessoas como ele, com sentimentos, dificuldades e ansiedades.

Inclusive, em seu livro, Rodrigues lembra de uma bela atitude do campeão, em um momento complicado da vida de Warwick. “Um outro cartão de Ayrton chegou à casa de Warwick em 1989*. E este certamente não era uma gafe de relações públicas".

"Eram pêsames pela morte trágica de Paul, irmão mais novo de Derek, num acidente da Fórmula 3000, no circuito de Oulton Park. Senna foi o único piloto da Fórmula 1 que mandou pêsames. Warwick nunca esqueceria o gesto.”

***

*Na verdade, Paul Warwick faleceu em 1991. Preferi não interferir, deixando o parágrafo na íntegra.

13 comentários:

Anônimo disse...

Belo texto....
Sempre me emociono quando ha um relato.....
Essa historia do Warwick eu não sabia...
pelo jeito irão os livros estão longe de contar toda historia sobre Senna....
mas como tds nos sabemos, o Automobilismo continuara contando sua historia......

Ron Groo disse...

Mais uma vez perfeito Felipão.
Eu uma vez quebrei o pau com o Ernesto Rodrigues no GpTotal, fomos duros um com o outro, mas depois pedi desculpas e disse a ele que na parte literária de seu livro eu não retiraria uma virgula do que disse a ele. Mas que depois de le-lo com calma passei a entender melhor o que ele quis dizer.
Tudo resolvido, e o livro dele apesar de algumas falhas é o melhor sobre o assunto no pais.

Daniel Médici disse...

Lembro dessa passagem do livro do Ernesto Rodrigues, mas não sabia desse equívoco na data.

É legal lembrar esse outro pólo de sua relação com Warwick para que se note que Senna nunca foi plano. Ao contrário, era multifacetado, contraditório, complexo, como todos nós, aliás.

Acho que recuperar a dimensão humana do Ayrton (e isso é diferente de esquadrinhar sua vida pessoal) é fundamental para que compreendamos o herói, o piloto e princialmente o automobilismo.

Felipão disse...

Valeu, Ron e Kakazu. Daniel, perfeito.

Loucos por F-1 disse...

Felipão, sensacional história.
Esta eu ainda não conhecia. É sempre muito emocionante relembrar momentos como esses, ainda mais quando envolvem o genio Ayrton Senna.

Abraços!

Leandro Montianele

Anônimo disse...

Ótimo relato, Felipão. É difícil julgar as decisões de pilotos verdadeiramente vencedores, como Senna, Prost, Schumacher. Todos eles tiveram momentos de um certo... digamos... "desvio de caráter", dentro e fora das pistas.

Mas aí fica a dúvida (que gera a dificuldade de julgamento citada no início do comentário): é melhor ser um "mau caráter" como foram senna, Prost e Schumacher... ou um "bom caráter" passivo e amigão como Barrichello?

Fico com a primeira opção.

--

Estava devendo uma visita a seu blog. Em todos os blogs que comento, leio seus comentários, mas ainda não havia passado por aqui. Já está nos meus favoritos.

Abraço!

Carlos Cezar disse...

Muito bom, Felipe!

Não sabia de boa parte dessas histórias contadas nesse post!

Obrigado por nos trazer essas informações!

Ps: Adicionei o blog lá no meu BlogRoll!

Vlw!

Fábio Andrade disse...

Olha Felipão, obrigado de novo.

Isso aqui tem estado sensacional!

Bruno disse...

Outro texto maravilhoso, Felipão. Essa história eu não conhecia também, da reaproximação entre os dois. A forma como é visto pelas pessoas ao seu redor é fundamental para ter o respeito e Senna prova isso com seu ato.
Abraços.

Felipe Maciel disse...

Mais uma excelente história da F-1 que você conta pra gente, Felipão!
É sempre bom lê-las, muito bom!
O Ayrton definitivamente era um ser bastante complexo...

Henry disse...

Falou Felipão...

Speeder76 disse...

Para mim, não me surpreendeu muito. Lembro-me de um episódio, no inicio de 1994, em que foi ter com o Eric Bergnard, que tinha voltado à Formula 1 via Ligier, e que se tinha magoado seriamente em 1991 na Larrousse, no GP do Japão.

Senna foi ter com ele e exprimiu o seu contentamento pelo facto de estar recuperado e que sentiu a sua falta nas corridas. Parecendo que não, ele gostava da competição, mas o mais importante era que ninguém se magoasse fazendo aquilo que mais gostava. Imaginem como teria comportado se corresse no inicio dos anos 70, onde morriam três a quarto pilotos por ano?

Anônimo disse...

Como disseram em outros blogs, Senna não era perfeito e tinha vários desafetos na F1, mas legal ele demonstrar que tinha compaixão e boa vontade com os outros. Eu tb nao sabia dessa passagem na história de Senna, parabéns Felipão.