Vou apenas reproduzir um trecho do relato de Luis Braidato a respeito do “Volante 13”, que pode ser encontrado no excelente livro "Do amanhecer ao crepúsculo de uma carreira profissional", de José Umaras.
"HOUVE uma época que eu era Revendedor Autorizado DKW em São Paulo e o Mickey Mouse estava encostado nas dependências da Vemag porque ninguém tinha peito para tocá-lo e eu consegui comprá-lo. Levamos o Mickey para o IPT e no túnel de vento conseguimos efetuar modificações na aerodinâmica que tornou o carro mais estável. Existia na época um engenheiro alemão da Vemag muito meu amigo que me passava uma série de dicas dos testes que eram feitos pela Equipe de Competição.
O alemão queria ver a gente brigando com a Equipe da Vemag e nos facilitava em tudo, até a compra de componentes especiais importadas da Alemanha. Exemplo: desenvolvemos um motor de 92 cv (no dinamômetro) para corridas rápidas, alto giro, não tinha nem marcha lenta, provido de pistões especiais, um só anel por pistão, virabrequim especial (alemão), carburação Weber individual, bomba de gasolina dupla de alta vazão inexistente na época, e muitos outros componentes, todos tecnicamente melhorados, caprichosamente aprimorados que afinavam o conjunto. Conseguimos algumas caixas de câmbio com outro alemão na ZF (que fabricava as caixas de câmbio para a Vemag) com relações de marcha especiais, para Interlagos tínhamos duas.
Até o mecânico Crispim que era da Equipe Vemag me passava valiosas informações e dicas nas competições. Muitos dos que participavam das corridas na época manifestavam prazerosa satisfação e prazer de ver o "carrinho" andar na cola dos DKWs da fábrica, dos Porsches da Dacon, das Berlinetas da Williams, na frente de muita máquina mais possante. O meu amigo chamado Arouca, o Volante Treze, era um piloto fora de série, um ás do volante, e o grupo que formamos era muito bom. Somente ele sabia tocar aquele bólido.
"A oficina da Dekabras" Crédito: Saloma
Esse motor, acima descrito e com o carro todinho preparado, redondo, pneus americanos (que paguei uma nota preta), tudo estava acertado para a Prova Três Horas de Velocidade, em Interlagos. Em um dos treinos, meu amigo desceu do Mickey no nosso box e sem delongas me intimou: “Luiz, toca você, a pista tá livre, pode descer o pau que o bicho agüenta. É todo seu...”.Um desafio de dar um frio na barriga! Meu Deus! Parti do box fritando pneus, fiz a Curva Um e a Curva Dois sem tirar o pé só do acelerador, corrigindo o volante aqui e acolá, Desci o retão a quase 9.000 giros (não havia velocímetro, mas deveria ser entre l80-190 km por hora).
O trovejar daquele motor era indescritível, o Mickey vibrava com um jato quebrando a barreira do som (exagero), não tinha fim, a relação de marcha era bem longa o Huuuaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa do motor aumentava intensamente e a tendência do carro era girar entre eixos, faltava algo; bateu o medo terrível, fechou, porra! Falei comigo mesmo! Aliviei o pé da fera contornando a curva quatro no tú tú tú tú tú, subi direto para os box, quando estacionei no Box, o amigo pulou para dentro do carro gritando de alegria dizendo: “Viu, seu veado, afinou; conseguimos! Agora, senta de lado que vou te mostrar como se anda...”
Acomodei-me no banco de passageiro segurando no Santo-Antonio (a carreteirinha só tinha um banco) e, ato continuo, o Arouca fez tudo que eu fiz de pé em baixo, mas quando entrou no retão nem sei a quanto andávamos, meu cagaço era bem maior. Não tirou o pé, foi frear no meio da Quatro, nessa altura o carro já não tinha as quatro rodas aderindo à pista, comecei a gritar, Virou! Virou!”. Todavia, o amigo desacelerou, corrigiu e quando ia capotar o pé em baixo e a tração dianteira se fez mais forte e entramos na reta em direção à Ferradura e o resto da volta, em consideração à minha gritaria e pânico, fomos mais devagar, também para poupar o carro.
Chegou o dia da prova e o pessoal da Dacon apareceu a bordo de um Fusquinha, construído em fibra, mecânica Porsche, José Carlos Pace (o Moco) ao volante, o carro todo disfarçado em Fusquinha para provar que Fusca também era de briga. Estava provido de pneus especiais e gasolina de aviação, até aí tudo bem, eu também utilizava esse tipo de combustível. (100 octanas) com óleo Castrol R.
Foi dada a largada. Rodaram em terceira e quarta num pau que foi o show da corrida. Um espetáculo para os olhos! Nas retas o Porsche andava na frente com o Mickey no "vácuo", mas nas curvas, no miolo, até à reta dos boxes o Arouca liderava, com o Moco no "vácuo", e foi assim até o final da competição. Até que, na última volta, o Arouca chegou na frente, uma cena que valia mais do qualquer troféu, que merecia ser comemorada mais do que qualquer outra coisa. O pessoal da VW ficou muito p. da vida, tinham fornecido tudo, tudo para a Dacon. Saíram frustrados. Foram pontos a menos para a minha firma, a Dekabras, mas valeu a pena, não me arrependo.
"Na curva relevée do Autódromo do Rio, o FNM 2000 JK de Ugo Galina de São Paulo, seguido do Piloto 13" . Crédito Obvio
Comentaram que nós devíamos deixar o Fusca (Porsche disfarçado) chegar na frente, para ficar bem com os alemães. Ganhar ponto com os gringos! Os dias foram passando. Outra corrida que o Arouca deu um show foi os Mil Quilômetros do Rio de Janeiro. A prova durou a noite toda e quando amanheceu, estávamos em primeiro na categoria. O outro piloto era nosso amigo Roberto Dal Pont, que corria na equipe da Vemag. O castigo infligido ao Mickey foi por demais severo. A pista era muito ruim, um bom número de carros quebrou, nas paradas do Box, o desejo era desistir de tudo, todavia, o Arouca gritava "deixa comigo, vamos chegar primeiro...” mas o combalido Mickey já não tinha mais embreagem, o amigo fazia milagre para manter a colocação.
Faltava muito pouco, era a ultima volta, mas o que eu mais temia aconteceu, explodiu o motor, porra! Próximo dos boxes, ainda corremos para ver se dava para reparar. Deparamos com uma cena impressionante, o motor ainda girava em dois cilindros, mas, quando tirei a capô, explodiu na minha cara, os pedaços de cárter caíram no meu pé, todos entraram em choque, o Arouca queria empurrar até à chegada, consegui acalmá-lo, já não tinha mais forças; foi uma choradeira geral, foi muito duro golpe para a equipe, no entanto, faz parte da competição. Final melancólico de prova. Colocamos o Mickey no caminhão, todo equipamento, duas noites sem dormir, peguei meu DKW e joguei o Arouca no banco traseiro; coitado, estava exaurido de fadiga, e "pau na máquina" pela Dutra, tinha que abrir a Dekabras no dia seguinte. A vida teria de seguir sua rotina.
Uma semana se passou e eu não tinha notícias do Arouca. Ele corria com o nome de Volante Treze, primeiro porque adorava o número treze, depois, acredite se quiser, a família era contra sua participação em competições, sua mãe era cardíaca, o pai e irmão viviam brigando com ele, visto que nas corridas punha em risco a saúde da mãe. Não queria fotos e implorava para a reportagem não citar seu nome. Tornou-se avesso à publicidade.
Certa tarde, me telefonou todo esbaforido, apavorado, pedindo minha ajuda, pois havia se envolvido num acidente, uma trombada com outros veículos. Sai em disparada em socorro do amigo. Quando cheguei ao local não entendi absolutamente nada, meu amigo estava meio zonzo ao meio de cinco carros amassados, os donos em pé de briga, todos exaltados, uns o acusavam de estar drogado, outros por imperícia e tudo mais que se pode ouvir num acidente, uma confusão dos diabos! Entrei no meio da cena e consegui acalmá-los com a promessa de avaliar os danos e efetuar os reparos. Com muita conversa consegui convencê-los e nos dirigimos para a oficina, a Dekabras.
Levei o amigo para sua casa, que não se conformava, nem ele sabia o que tinha ocorrido de fato, não estava bem, reclamava de dor de cabeça de rachar, mas nada que alguns comprimidos para sanar o incômodo não resolvessem. Quando se acalmou, deixei-o em casa e dirigi-me apressadamente para atender os outros.
"Fangio se ajeitando na Carretera DKW Mickey Mouse. Ao fundo, Carol Figueiredo e Roberto Dal Pont". Crédito Obvio
No dia seguinte, a meu conselho, levei o Arouca para uma avaliação médica, um check-up em uma clínica bem conceituada de São Paulo. Como ele escondia tudo da família, ninguém ajudou, provavelmente ignoravam seu mal-estar. Fomos sozinhos. Foram dois dias de exames e nenhuma anormalidade foi constatada, tudo normal. Cobraram uma nota, achei os valores extorsivos. Resultado: fadiga acima dos limites (atualmente denominado de estresse), recomendaram férias e muito repouso, serenidade de espírito e todo aquele papo que médicos recomendam a seus pacientes...
Sou um sensitivo, estava preocupado, porque no acidente, pelo que me relatou, ficou praticamente evidente que ele tinha sofrido um súbito desmaio e, desacordado, bateu nos outros carros, não havia nem marca de frenagem na pista. Esse fato era intrigante. Fiquei por vários dias muito preocupado, não tirava o amigo do pensamento, Quando telefonava, diziam que tinha viajado. Pensei, menos mal, seguiu meus conselhos e isso fortaleceria sua recuperação.
Entretanto, não conseguia me concentrar, o pensamento permanecia permanentemente ligado, martelando meu cérebro. Algo estava errado e não deu outra, dias depois o seu irmão me telefonou notificando que o Arouca tinha sido hospitalizado na Beneficência Portuguesa (hospital de renome na capital paulista) e deveria ser submetido a uma cirurgia cerebral. E nada mais consegui falar atacado pela emoção! Fiquei como que paralisado. Fui para casa extremamente pesaroso, arrasado, no entanto, não emiti nenhum comentário com meus familiares.
Porém, durante o almoço com minha esposa e meus filhos, fui acometido de um momento de profundo pesar e comecei a chorar afirmando que meu amigo havia partido para sempre. Apavorei toda minha família; minha mulher nada conseguia entender. Acalmei meus filhos que eram pequenos e corri para o hospital. Quando cheguei ainda alimentava a esperança que tivesse sido um devaneio de minha parte, aquele momento de pessimismo que muitas vezes somos acometidos.
"A Alfa do Mario Olivetti - de Petrópolis - se enroscou com o Volante 13 lá atrás e deu um sustaço no bandeira". Crédito Obvio
Foi horrível, o pior havia ocorrido, o amigo tinha morrido e os irmãos e o pai estavam desconsolados. Quando a notícia correu, na equipe foi uma choradeira geral, ninguém se conformava, uma tragédia, algo inacreditável! No enterro do amigo, foi um momento desolador, de pesar sem precedentes, é muito difícil perder um ente tão querido, mas faz parte da vida e da qual sobrevém a todos. Razão pela qual somos denominados de mortais. Flores foram depositadas sobre a sepultura. Eu deixei uma lata de Castrol R, que para nós era como se fosse "perfume francês". Um produto que fazia parte integrante de nossas vidas.
Após esse trágico fato, participar de competições perdeu todo o encanto; aquele deslumbramento, aquele ardor se desvaneceu e não sentia mais nenhum atrativo por essa atividade. Desmantelei toda a equipe e não queria mais ouvir falar de corridas. Não mais dava assistência a carros, não fiz mais "venenos". Nunca mais pisei em Interlagos. Era o ocaso de uma era. Nem visitar outro amigo que eu chamo de "Rato”, o Emerson Fitipaldi, contemporâneo daquela era. A família do Flodoardo Arouca, (daquela conhecida metalúrgica fabricante de fechaduras Arouca), era visceralmente contra essas competições que nos participávamos, eram opositores dessa modalidade de atividade.
Após sua morte fui contatado e cobraram a parte do amigo no Mickey Mouse e eu constrangido acabei cedendo para eles e, pasme, levaram o carro, o capacete, luvas, calçados, macacão e todos os troféus para ato contínuo, montarem em um salão da fábrica, um tipo de museu em sua homenagem, que permanece até os dias de hoje. Durante 44 anos não tive contato com eles, mas, há alguns meses atrás, o pessoal do DKW Clube resolveu efetuar uma corrida in memoram, uma forma de póstuma homenagem aos remanescentes daquela saudosa e conturbada época e achei que deveria participar da prova.
O veículo estava intacto e conservado no tal museu. Embora, eu não tenha mais a oficina mecânica, ainda conheço um pessoal que poderia me ajudar a pôr o Mickey a rodar em Interlagos, seria uma merecida homenagem ao amigo, e embora eu esteja atualmente com setenta anos, sei que se desse na partida, aquele motor iria reviver e meu cérebro, ao captar aquele huuuuuuuáááááááááááááásáááa nem que seja o tútútútútútútú, viraria bicho, é como uma viagem ao passado, reviver os momentos de um tempo glorioso que jamais se repetirá.
Entretanto, a afinidade que nos unia não era compartilhada com a família do meu amigo. Tentei alguns contatos com o seu irmão, Cassio Arouca, atual dono e diretor da fábrica, mas sempre sua secretária se dirigia a mim querendo saber o assunto, do que se tratava, eu me identificava como antigo sócio do seu irmão, o Flodoardo falecido, explicava o plano em prestar uma homenagem. Depois de inúmeras tentativas, não obtive êxito, jamais houve qualquer retorno. Para bom entendedor meia palavra basta. Jamais retornarei a procurá-los. Fico com minhas boas lembranças daqueles tempos felizes, vindos e findos...
Aos leitores meus, perdoem meu desabafo. Tudo o que passou não escondo, quero que todos saibam algo de um passado de acertos e desacertos, que se torne público”.
Luiz Carlos Braidatto
"250 Milhas do Rio de Janeiro, 1968, Autódromo de Jacarepaguá. Terminou em quinto na geral e primeiro na sua categoria". Crédito Saloma.
Esse motor, acima descrito e com o carro todinho preparado, redondo, pneus americanos (que paguei uma nota preta), tudo estava acertado para a Prova Três Horas de Velocidade, em Interlagos. Em um dos treinos, meu amigo desceu do Mickey no nosso box e sem delongas me intimou: “Luiz, toca você, a pista tá livre, pode descer o pau que o bicho agüenta. É todo seu...”.Um desafio de dar um frio na barriga! Meu Deus! Parti do box fritando pneus, fiz a Curva Um e a Curva Dois sem tirar o pé só do acelerador, corrigindo o volante aqui e acolá, Desci o retão a quase 9.000 giros (não havia velocímetro, mas deveria ser entre l80-190 km por hora).
O trovejar daquele motor era indescritível, o Mickey vibrava com um jato quebrando a barreira do som (exagero), não tinha fim, a relação de marcha era bem longa o Huuuaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa do motor aumentava intensamente e a tendência do carro era girar entre eixos, faltava algo; bateu o medo terrível, fechou, porra! Falei comigo mesmo! Aliviei o pé da fera contornando a curva quatro no tú tú tú tú tú, subi direto para os box, quando estacionei no Box, o amigo pulou para dentro do carro gritando de alegria dizendo: “Viu, seu veado, afinou; conseguimos! Agora, senta de lado que vou te mostrar como se anda...”
Acomodei-me no banco de passageiro segurando no Santo-Antonio (a carreteirinha só tinha um banco) e, ato continuo, o Arouca fez tudo que eu fiz de pé em baixo, mas quando entrou no retão nem sei a quanto andávamos, meu cagaço era bem maior. Não tirou o pé, foi frear no meio da Quatro, nessa altura o carro já não tinha as quatro rodas aderindo à pista, comecei a gritar, Virou! Virou!”. Todavia, o amigo desacelerou, corrigiu e quando ia capotar o pé em baixo e a tração dianteira se fez mais forte e entramos na reta em direção à Ferradura e o resto da volta, em consideração à minha gritaria e pânico, fomos mais devagar, também para poupar o carro.
Chegou o dia da prova e o pessoal da Dacon apareceu a bordo de um Fusquinha, construído em fibra, mecânica Porsche, José Carlos Pace (o Moco) ao volante, o carro todo disfarçado em Fusquinha para provar que Fusca também era de briga. Estava provido de pneus especiais e gasolina de aviação, até aí tudo bem, eu também utilizava esse tipo de combustível. (100 octanas) com óleo Castrol R.
Foi dada a largada. Rodaram em terceira e quarta num pau que foi o show da corrida. Um espetáculo para os olhos! Nas retas o Porsche andava na frente com o Mickey no "vácuo", mas nas curvas, no miolo, até à reta dos boxes o Arouca liderava, com o Moco no "vácuo", e foi assim até o final da competição. Até que, na última volta, o Arouca chegou na frente, uma cena que valia mais do qualquer troféu, que merecia ser comemorada mais do que qualquer outra coisa. O pessoal da VW ficou muito p. da vida, tinham fornecido tudo, tudo para a Dacon. Saíram frustrados. Foram pontos a menos para a minha firma, a Dekabras, mas valeu a pena, não me arrependo.
"Na curva relevée do Autódromo do Rio, o FNM 2000 JK de Ugo Galina de São Paulo, seguido do Piloto 13" . Crédito Obvio
Comentaram que nós devíamos deixar o Fusca (Porsche disfarçado) chegar na frente, para ficar bem com os alemães. Ganhar ponto com os gringos! Os dias foram passando. Outra corrida que o Arouca deu um show foi os Mil Quilômetros do Rio de Janeiro. A prova durou a noite toda e quando amanheceu, estávamos em primeiro na categoria. O outro piloto era nosso amigo Roberto Dal Pont, que corria na equipe da Vemag. O castigo infligido ao Mickey foi por demais severo. A pista era muito ruim, um bom número de carros quebrou, nas paradas do Box, o desejo era desistir de tudo, todavia, o Arouca gritava "deixa comigo, vamos chegar primeiro...” mas o combalido Mickey já não tinha mais embreagem, o amigo fazia milagre para manter a colocação.
Faltava muito pouco, era a ultima volta, mas o que eu mais temia aconteceu, explodiu o motor, porra! Próximo dos boxes, ainda corremos para ver se dava para reparar. Deparamos com uma cena impressionante, o motor ainda girava em dois cilindros, mas, quando tirei a capô, explodiu na minha cara, os pedaços de cárter caíram no meu pé, todos entraram em choque, o Arouca queria empurrar até à chegada, consegui acalmá-lo, já não tinha mais forças; foi uma choradeira geral, foi muito duro golpe para a equipe, no entanto, faz parte da competição. Final melancólico de prova. Colocamos o Mickey no caminhão, todo equipamento, duas noites sem dormir, peguei meu DKW e joguei o Arouca no banco traseiro; coitado, estava exaurido de fadiga, e "pau na máquina" pela Dutra, tinha que abrir a Dekabras no dia seguinte. A vida teria de seguir sua rotina.
Uma semana se passou e eu não tinha notícias do Arouca. Ele corria com o nome de Volante Treze, primeiro porque adorava o número treze, depois, acredite se quiser, a família era contra sua participação em competições, sua mãe era cardíaca, o pai e irmão viviam brigando com ele, visto que nas corridas punha em risco a saúde da mãe. Não queria fotos e implorava para a reportagem não citar seu nome. Tornou-se avesso à publicidade.
Certa tarde, me telefonou todo esbaforido, apavorado, pedindo minha ajuda, pois havia se envolvido num acidente, uma trombada com outros veículos. Sai em disparada em socorro do amigo. Quando cheguei ao local não entendi absolutamente nada, meu amigo estava meio zonzo ao meio de cinco carros amassados, os donos em pé de briga, todos exaltados, uns o acusavam de estar drogado, outros por imperícia e tudo mais que se pode ouvir num acidente, uma confusão dos diabos! Entrei no meio da cena e consegui acalmá-los com a promessa de avaliar os danos e efetuar os reparos. Com muita conversa consegui convencê-los e nos dirigimos para a oficina, a Dekabras.
Levei o amigo para sua casa, que não se conformava, nem ele sabia o que tinha ocorrido de fato, não estava bem, reclamava de dor de cabeça de rachar, mas nada que alguns comprimidos para sanar o incômodo não resolvessem. Quando se acalmou, deixei-o em casa e dirigi-me apressadamente para atender os outros.
"Fangio se ajeitando na Carretera DKW Mickey Mouse. Ao fundo, Carol Figueiredo e Roberto Dal Pont". Crédito Obvio
No dia seguinte, a meu conselho, levei o Arouca para uma avaliação médica, um check-up em uma clínica bem conceituada de São Paulo. Como ele escondia tudo da família, ninguém ajudou, provavelmente ignoravam seu mal-estar. Fomos sozinhos. Foram dois dias de exames e nenhuma anormalidade foi constatada, tudo normal. Cobraram uma nota, achei os valores extorsivos. Resultado: fadiga acima dos limites (atualmente denominado de estresse), recomendaram férias e muito repouso, serenidade de espírito e todo aquele papo que médicos recomendam a seus pacientes...
Sou um sensitivo, estava preocupado, porque no acidente, pelo que me relatou, ficou praticamente evidente que ele tinha sofrido um súbito desmaio e, desacordado, bateu nos outros carros, não havia nem marca de frenagem na pista. Esse fato era intrigante. Fiquei por vários dias muito preocupado, não tirava o amigo do pensamento, Quando telefonava, diziam que tinha viajado. Pensei, menos mal, seguiu meus conselhos e isso fortaleceria sua recuperação.
Entretanto, não conseguia me concentrar, o pensamento permanecia permanentemente ligado, martelando meu cérebro. Algo estava errado e não deu outra, dias depois o seu irmão me telefonou notificando que o Arouca tinha sido hospitalizado na Beneficência Portuguesa (hospital de renome na capital paulista) e deveria ser submetido a uma cirurgia cerebral. E nada mais consegui falar atacado pela emoção! Fiquei como que paralisado. Fui para casa extremamente pesaroso, arrasado, no entanto, não emiti nenhum comentário com meus familiares.
Porém, durante o almoço com minha esposa e meus filhos, fui acometido de um momento de profundo pesar e comecei a chorar afirmando que meu amigo havia partido para sempre. Apavorei toda minha família; minha mulher nada conseguia entender. Acalmei meus filhos que eram pequenos e corri para o hospital. Quando cheguei ainda alimentava a esperança que tivesse sido um devaneio de minha parte, aquele momento de pessimismo que muitas vezes somos acometidos.
"A Alfa do Mario Olivetti - de Petrópolis - se enroscou com o Volante 13 lá atrás e deu um sustaço no bandeira". Crédito Obvio
Foi horrível, o pior havia ocorrido, o amigo tinha morrido e os irmãos e o pai estavam desconsolados. Quando a notícia correu, na equipe foi uma choradeira geral, ninguém se conformava, uma tragédia, algo inacreditável! No enterro do amigo, foi um momento desolador, de pesar sem precedentes, é muito difícil perder um ente tão querido, mas faz parte da vida e da qual sobrevém a todos. Razão pela qual somos denominados de mortais. Flores foram depositadas sobre a sepultura. Eu deixei uma lata de Castrol R, que para nós era como se fosse "perfume francês". Um produto que fazia parte integrante de nossas vidas.
Após esse trágico fato, participar de competições perdeu todo o encanto; aquele deslumbramento, aquele ardor se desvaneceu e não sentia mais nenhum atrativo por essa atividade. Desmantelei toda a equipe e não queria mais ouvir falar de corridas. Não mais dava assistência a carros, não fiz mais "venenos". Nunca mais pisei em Interlagos. Era o ocaso de uma era. Nem visitar outro amigo que eu chamo de "Rato”, o Emerson Fitipaldi, contemporâneo daquela era. A família do Flodoardo Arouca, (daquela conhecida metalúrgica fabricante de fechaduras Arouca), era visceralmente contra essas competições que nos participávamos, eram opositores dessa modalidade de atividade.
Após sua morte fui contatado e cobraram a parte do amigo no Mickey Mouse e eu constrangido acabei cedendo para eles e, pasme, levaram o carro, o capacete, luvas, calçados, macacão e todos os troféus para ato contínuo, montarem em um salão da fábrica, um tipo de museu em sua homenagem, que permanece até os dias de hoje. Durante 44 anos não tive contato com eles, mas, há alguns meses atrás, o pessoal do DKW Clube resolveu efetuar uma corrida in memoram, uma forma de póstuma homenagem aos remanescentes daquela saudosa e conturbada época e achei que deveria participar da prova.
O veículo estava intacto e conservado no tal museu. Embora, eu não tenha mais a oficina mecânica, ainda conheço um pessoal que poderia me ajudar a pôr o Mickey a rodar em Interlagos, seria uma merecida homenagem ao amigo, e embora eu esteja atualmente com setenta anos, sei que se desse na partida, aquele motor iria reviver e meu cérebro, ao captar aquele huuuuuuuáááááááááááááásáááa nem que seja o tútútútútútútú, viraria bicho, é como uma viagem ao passado, reviver os momentos de um tempo glorioso que jamais se repetirá.
Entretanto, a afinidade que nos unia não era compartilhada com a família do meu amigo. Tentei alguns contatos com o seu irmão, Cassio Arouca, atual dono e diretor da fábrica, mas sempre sua secretária se dirigia a mim querendo saber o assunto, do que se tratava, eu me identificava como antigo sócio do seu irmão, o Flodoardo falecido, explicava o plano em prestar uma homenagem. Depois de inúmeras tentativas, não obtive êxito, jamais houve qualquer retorno. Para bom entendedor meia palavra basta. Jamais retornarei a procurá-los. Fico com minhas boas lembranças daqueles tempos felizes, vindos e findos...
Aos leitores meus, perdoem meu desabafo. Tudo o que passou não escondo, quero que todos saibam algo de um passado de acertos e desacertos, que se torne público”.
Luiz Carlos Braidatto
"250 Milhas do Rio de Janeiro, 1968, Autódromo de Jacarepaguá. Terminou em quinto na geral e primeiro na sua categoria". Crédito Saloma.
8 comentários:
Ótimo post,sou apaixonado por este DKW!
Felipão, pqp que relato esxpetacular desse DKW, fiquei em êxtase lendo sobre as corridas e triste pelo o aocntecido com o volante 13.
excelente post!
Grande Marcão e Joel...
Achei que o pessoal não leria, pelo tamanho do texto. Como não era meu, não queria editar... além disso, é um relato que prende a atenção...
Imagine se não iríamos ler... que relato!
Postagem histórica, Felipão!
Beijos.
Obrigado, Teca!!!
Bjoooo
Nós amantes do Automobilismo ficamos felizes em poder compartilhar essa linda e saudosa história, obrigado e parabens pela iniciativa.
Parabens Felipe, pelo relato fantástico, pelo relato subjetivo, q marca uma sincera amizade e admiração.
Arouca - Volante 13 - foi brilhante e marca nossa geração
Parabens Felipe, pelo relato fantástico, pelo relato subjetivo, q marca uma sincera amizade e admiração.
Arouca - Volante 13 - foi brilhante e marca nossa geração
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